segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Uma ousadia: estatísticas no futebol


Começou mais uma temporada do futebol brasileiro, esta encoberta pela sombra da goleada por 4 a 0 sobre o Santos na final do Mundial de Clubes. O Barcelona manteve a bola no chão no Japão e baixou um pouco a bola de santistas e do futebol brasileiro. Às vésperas de ser sede de uma Copa do Mundo, acredite, isso é bom.

Há algum tempo, fala-se muito da superioridade do Barcelona. Incrivelmente, o Barcelona é diferente dos brasileiros pelo que não faz e não apenas pelo que ele faz.

O modo atual de jogar futebol no Brasil é um retrato do país do desperdício em que vivemos. A jogada mais recorrente por aqui é o cruzamento, quando mais se desperdiça a posse de bola. Coincidentemente, é muito pouco usado pelo Barcelona, que prefere manter a posse e recomeçar a jogada, mesmo que seja voltando a bola para o meio-campo.

No ano passado, assisti a 141 dos 380 jogos do Brasileirão. Acompanhei 24 jogos do Corinthians e 24 do Vasco, campeão e vice da competição.

O Corinthians fez 282 cruzamentos nessas partidas; 15% foram finalizados (43) e, sempre arredondando para facilitar a compreensão, 2% (2 em cada 100) transformados em gols (6). Não me parece um investimento muito atraente o rendimento de 2% ao ano, a não se fosse na Alemanha. É o mesmo obtido pelo Vasco. Em 18 jogos, o Flamengo fez gol em 6% dos cruzamentos.

Contra o Santos, o Barcelona finalizou 2 dos 5 cruzamentos que fez. Foram 3 dos brasileiros Daniel Alves e Tiago. Em média, o Corinthians faz 12 cruzamentos por jogo; o Vasco, 10. Ou seja, um gol a partir de cruzamentos a cada cinco jogos.

Com escanteios é a mesma coisa. Basta ocorrer a marcação de um escanteio para a torcida se inflamar, o que aliás parece ser a essência de haver tantas bolas levantadas: dar satisfação à torcida, mostrar que está colocando pressão no adversário, quando na verdade não está porque as jogadas são bem marcadas. Mas quem não arrisca não petisca, água mole em pedra dura etc. etc. etc.

O Corinthians cobrou 141 escanteios, normalmente levantando a bola na área; 9% foram finalizados (13) e 1% virou gol (2). Parece que um escanteio não é uma jogada tão perigosa assim, não é mesmo? O Vasco cobrou 139 escanteios, 20% foram finalizados (28) e 2% viraram gols (3).

Uma outra coisa que o Barcelona pouco faz é levantar na área uma falta ao redor da área. Prefere sair tocando para criar uma jogada. Não é à toa. O Corinthians levantou 103 bolas na área em cobranças de falta nos jogos em que acompanhei. 14% foram finalizadas (14) e fizeram 1 gol em 103 faltas levantadas. É para se pensar.

Ou seja, é a razão que leva o Barcelona a ter coragem de não desperdiçar a posse de bola. Explica em muito por que eles ficam tanto tempo com a bola. O Vasco fez 66 cobranças levantadas de falta e 1 gol. Uhm... 

Sem colocar nessa conta uma bola que possa ser rebatida e o gol sair no aproveitamento do rebote. Tomo por base o pênalti: se o goleiro rebate e acaba saindo o gol, conta-se como pênalti perdido, pois o rebote já é uma segunda jogada.

O melhor aproveitamento em faltas levantadas é do São Paulo: de 36 cobradas, 11% foram finalizadas (4) e 6% viraram gol (2). Isso em 14 jogos.

Mas nós podemos imaginar o que vai acontecer no estádio se na terceira falta na ponta esquerda não houver um "chuveirinho" na grande área para tentar a finalização.

Como sempre, somos reféns da nossa cultura.

Estatisticamente, até mesmo as cobranças diretas de falta a gol são um desperdício de posse de bola. O Corinthians cobrou 31 e não marcou nenhum gol nos 24 jogos que acompanhei. O Vasco cobrou 51 faltas diretas "em gol" e fez 1 único gol. É até fácil ver o aproveitamento.

O melhor aproveitamento foi do Internacional. Fiz 14 jogos deles, cobraram 12 faltas diretas e fizeram 2 gols. Aproveitamento de 17%. 

Meu projeto para 2012 é assistir a todos os jogos do Campeonato Paulista, o que não é fácil, pois são muitas rodadas no meio de semana, e do Campeonato Brasileiro. É um objetivo profissional.

Não existe estatística burra. Há dados relevantes e irrelevantes. Como um banco de dados é uma nuvem em que todas as informações estão disponíveis ao mesmo tempo, cabe ao analista jogar luz sobre elas para descobrir o que possa interessar. É o desafio que me impus após três anos de testes e aperfeiçoamentos de meu banco de dados e mais de 400 jogos acompanhados. Vamos em frente. O tempo é curto.

Um comentário:

  1. Muito bom o texto Valmir, se todos os técnicos do Brasil vissem esse artigo, talvez o futebol brasileiro esqueceria de vez essa síndrome de bola levantada na área e aproveitaria mais a habilidade e ginga de seus jogadores (dribladores). Grande abraço e parabéns pelo artigo.

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