segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Jogo #182 Em jogo épico, Ronaldinho Gaúcho volta a ser o craque e faz golaço para o Atlético-MG, mas Cruzeiro empata aos 52 minutos

Saí do Independência com a sensação de que por ali o tempo tinha passado mais devegar do que em todo o resto do planeta. E que se em todo o resto do planeta o tempo também tinha passado mais devagar, a responsabilidade por isso era de Cruzeiro e Atlético-MG. A atmosfera no Independência parecia muito mais densa e até as navalhas, se ainda as houvesse, perderiam o fio ao cortar aquele ar.

Se você nem sabe o que é navalha, imagine que sua rede wi-fi ficaria prejudicada se estivesse no Independência porque os dados teriam maior dificuldade de percorrer o ar por ali. Denso... A sensação que sentia toque a toque na bola era a de que todos nós, jogadores, arbitragem, torcida e imprensa ficamos 90 minutos sem respirar a partir do momento em que o árbitro deu o primeiro apito, em homenagem ao goleiro Félix, morto na semana passada.

Era como se em agradecimento pela lembrança, o espírito do goleiro campeão da Copa de 70 tivesse se mantido agarrado à bola durante toda a partida a partir daquele primeiro apito. A bola rolou mais lenta pelo gramado, esteve mais pesada nas jogadas áreas. E se eu me senti dentro do Independência apesar de estar na frente da TV, a responsabilidade por isso foi de Cruzeiro e Atlético-MG.

Quando o joelho esquerdo de Fabinho se dobrou para o lado e não para a frente em um choque involuntário com Leandro Donizete, eu entendi melhor o que estava se passando: cada disputa, cada toque na bola, carregava junto todo o futuro de todos que estávamos ali no Independência. Cruzeiro e Atlético-MG absorveram o tempo e não havia espaço para erro, desatenção ou corpo mole.


Mas no futebol tempo e espaço se deformam de acordo com a intensidade do jogo e não com a massa dos corpos. Wallyson entrou em campo aos 15 minutos substituindo Fabinho. Aos 16, ele entrou na livre na área do Atlético-MG enquanto pela esquerda Montillo tocava para Everton chutar cruzado em direção à pequena área. Wallyson, meio que de carrinho, sem marcação, completou para o gol. Não havia espaço para erro, mas Wallyson o criou fazendo uma jogada de penetração que Fabinho não estava fazendo. O Atlético-MG não teve tempo para se adaptar.


Se quiser saber qual era exatamente o clima do jogo, veja a reação de Leandro Guerreiro quando o juiz marcou uma simples falta por ele subir se apoiando no ombro de Danilinho, aos 23 minutos de jogo. A questão passa por aqui: nada era simples nesse jogo, principalmente para o Cruzeiro e sua torcida, a única com permissão de ir ao Independência.

Dentre as tensões vividas no primeiro turno que se encerra, com os cruzeirenses escalando o time da arquibancada, estava em jogo a confiança da torcida na equipe. De certa forma, veio muito a calhar Charles estar suspenso para a partida, ele que já bateu de frente com a arquibancada. O Cruzeiro pisava em ovos, e a reação da Leandro Guerreiro dizia muito sobre isso.


Um ponto era certo: o Cruzeiro não podia perder de jeito nenhum.


Quando Bernard encarou o gigante Mateus em um lance onde nem falta houve e se formou um tumulto envolvendo praticamente todos os jogadores, ficou clara a dramaticidade que cercava o clássico mineiro, como seria duro para o Atlético-MG manter a liderança e como seria duro para o Cruzeiro preservar a confiança que o estádio lotado depositava no time.

E o líder foi um time diferente em campo. Não impôs a marcação por pressão que o levou a diversas vitórias. Levantou menos a bola do que contra outros grandes adversários. Não teve aquela correria de esgotar seus jovens e resultar em cãimbras no fim das partidas. O Atlético-MG trocou passes, "valorizou a posse de bola", teve paciência mesmo com a desvantagem no placar.

A bem da verdade, o Atlético-MG foi dissimulado.

As jogadas aéreas estão no DNA desse Galo voador. Trocava passe na esperança de fazer o Cruzeiro se esquecer disso. Aos 42 minutos, conseguiu. A bola veio de pé em pé da defesa até chegar a Ronaldinho Gaúcho, que passou para Jô, que devolveu para Ronaldinho Gaúcho, que aí deu bote: levantou a bola na cabeça de Danilinho, que entrava às costas dos marcadores, vencendo a linha de impedimento, completamente livre para cabecar. Da marca do pênalti, a bola passou raspando a trave esquerda. O goleiro Fábio nem se mexeu.

Deu para sentir o frio subindo à espinha de cada cruzeirense à medida que Danilinho subia para cabecear aquela bola. Um gelo intenso que tomou conta do estádio 5 minutos depois.

Provando que o negócio do Atlético-MG são as jogadas aéreas, Ronaldinho Gaúcho bateu escanteio da esquerda na cabeça de Jô, que desviou para a direita da grande área, de onde Leonardo Silva acertou um chute com curva no ângulo. #Golaço. O ex-capitão do Cruzeiro calou o estádio tomado apenas por cruzeirenses.

Com o time correspondendo em campo, a fúria latente dos torcedores cruzeirense em todos os jogos no Independência se voltou desta vez contra o árbitro. Diversos objetos foram lançados ao campo no ínicio do segundo tempo. A polícia entrou em campo, foi acertada por copos de água, que acertaram também o árbitro.

A partida ficou paralisada por 10 minutos. Quando reiniciada, Bernard e Leandro Guerreiro tinham sido expulsos por terem iniciado a confusão, disputando um pedaço de pão ou de bolo que havia sido jogado da arquibancada em Bernard e que Leandro Guerreiro não queria que ele mostrasse para o árbitro.

Ficou evidente: neste jogo, qualquer coisa que um atleticano quisesse, um cruzeirense ia querer mais, fosse a vitória, a bola dividida ou um pedaço de bolo jogado no gramado aos leões.

Com tanta tensão, aos 36 minutos do segundo tempo o empate já parecia um bom resultado para todo mundo, uma impressão que ficou mais forte quando Ronaldinho Gaúcho escorregou e a sola de sua chuteira direita foi na canela de Wallyson. Ronaldinho Gaúcho parou, se desculpando, o time do Cruzeiro parou, aceitando e querendo o atendimento médico para Wallyson, mas o juiz disse que a bola estava em jogo e a partida tinha de continuar. Então, alguém chutou a bola para fora, o que pareceu o mais certo àquela altura. Mas foi um momento significativo. Nenhum dos dois times queria jogar, apesar dos sinais do árbitro para que o fizessem.

A torcida parecia mais serena. Assim como aconteceu contra a Ponte Preta, na 14ª rodada, quando perseguiu Charles de forma contundente no primeiro tempo e o aplaudiu no segundo, contra o Atlético-MG pareceu ter se dado conta de que estava passando dos limites.

Mas para Mateus, o empate não era o suficiente. Aos 39 minutos, ele ganhou uma dividida de Marcos Rocha e se mandou para o ataque. Conquistou um arremesso lateral (porque neste jogo cada evento foi uma conquista) e agitou os braços chamando a torcida a se manifestar.

Invertia, assim, o que se viu em todo o primeiro turno, quando a torcida cobrou empenho do time. Agora, era Mateus quem exigia o empenho do torcedor cruzeirense.

Coincidência, talvez, mas depois da demonstração de gana de Mateus, o jogo mudou.

No minuto seguinte, Lucas Silva colocou ótima bola para Borges se livrar da marcação e mandar um chutaço para o gol. O goleiro Victor falhou, deixou a bola passar sob seu corpo, mas conseguiu desviá-la o suficiente para que saísse raspando o pé da trave esquerda. Após a cobrança do escanteio, a torcida se inflamou e voltou a cantar forte, mostrando seu apoio.

Aos 43 minutos, Pierre deu um pontapé em Montillo e foi expulso. A torcida cruzeirense foi à loucura.

Mas por pouco tempo.

Eu tinha escrito que o clássico havia absorvido o tempo, não foi? Aos 44 minutos e 44 segundos, alguma conjunção astral se formou no meio-campo do Independência, e Ronaldinho Gaúcho viajou no tempo. Voltou a ser o Ronaldinho Gaúcho de 2003, aquele que levava defesas no arrasto e disparava do meio-campo para fazer gols pelo Barcelona. Como diz meu pai, quem nasce foto não morre negativo (muito menos nesses tempos de foto digital, acrescento).

Aos 44'44", Marcos Rocha tocou para Ronaldinho Gaúcho dominar pouco antes da linha do meio-campo. E o craque simplesmente se esqueceu de que o tempo havia passado, se esqueceu da Copa de 2006, e simplesmente, assim de repente, voltou a ser o Ronaldinho Gaúcho que o mundo queria (e ainda quer) reverenciar.

Possesso, passou por Marcelo Oliveira sem tomar conhecimento de sua existência, assim como por Lucas Silva, à frente da meia-lua, e novamente por Marcelo Oliveira, que insisita em se materializar, agora na esquerda da grande área, 7 segundos depois.

Quando se viu livre, o canto direito do gol estava completamente aberto, e Ronaldinho Gaúcho colocou a bola ali como se nada tivesse acontecido até então.

Ronaldinho Gaúcho disputa bola com Leandro Guerreiro. Foto Bruno Cantini/Clube Atlético Mineiro

O futebol não é muito disso, mas o estádio inteiro devia ter se levantado e aplaudido. Felizmente, eu só me sentia no Independência, onde só havia cruzeirenses por razões de segurança. Minha vida estaria em risco só por eu pensar que Ronaldinho Gaúcho deveria ser aplaudido em pé pelo que havia acabado de fazer, aos 44 minutos do segundo tempo da última rodada do primeiro turno, aos 32 anos. Aplaudo daqui, porque o que ele fez merece. Parabéns, Ronaldinho Gaúcho. Era só (?) isso que queríamos de você.

Até o goleiro Victor pareceu dar um sorriso, ele que não é afeito a essas extravagâncias. A alegria de Réver era genuína. À aquela altura, o jogo parecia ganho.

Não estava. Diferentemente do que se podia esperar da torcida do Cruzeiro depois de tantas rusgas e de tantas perseguições e de tanta pressão nos jogos de seu time no Independência, ela começou a cantar.

Saiu Ronaldinho Gaúcho e com ele a magia do Atlético-MG naquele momento.

Entrou Anselmo Ramon no Cruzeiro.

"Zei... ro... Zei... ro... Zei... ro..."

Lembra-se de que Mateus cobrou apoio e incentivo da torcida?

Aos 56 minutos do segundo tempo (porque o jogo ficou parado por 10 minutos), com o Atlético-MG com 8 jogadores em campo enquanto Júnior César era atendido fora, Mateus retribuiu.

Montillo entrou pela esquerda da grande área e colocou no pé do zagueiro Mateus para ele tocar para o gol. Épico! Para sempre.

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