terça-feira, 28 de agosto de 2012

Jogo #185 Com defesa sensacional, Marcelo Grohe garante vitória do Grêmio sobre o Internacional; minha homenagem ao goleiro Félix

Você decide ser goleiro. Vai lá e treina todos os dias se jogando daqui pra lá. Se você é um(a) goleira(o), você sempre pula daqui pra lá. O tempo todo. Na maioria das vezes você pega a bola, porque quem está te treinando joga a bola onde você possa pegar. Se jogar onde você não pode pegar, não vai te treinar. Mas a dificuldade vai aumentando e a bola começa a fugir de você.

Calma. É uma prerrogativa do goleiro.

Você evolui, mas hoje em dia a bola também evolui. Ainda assim, com o tempo ela passa a fugir menos de você. Nos treinamentos. Porque quando você joga, seu adversário procura mandar a bola onde você não possa pegar. Ainda assim, você se torna uma força da natureza e passa a pegar bolas impossíveis. Quando você defende, tem gente que espera o replay para ter certeza de que você fez aquilo.

E aí você passa a ser goleiro de um clube de ponta. Mas você é reserva de um goleiro de nível de seleção brasileira, um talvez com um nível até melhor do que o da seleção brasileira. Depende de quem é o técnico da seleção brasileira e o que ele considera um grande goleiro.

E subitamente, tudo muda. O titular absoluto se transfere para outro clube, que com ele passa a ser líder do campeonato e sério candidato ao título. E a responsabilidade por substitui-lo é sua. Preparou-se para isso, não é? Você treinou todos esses dias.

E você se chama Marcelo Grohe. Está no gol do Grêmio em um Gre-Nal na casa do adversário. E está chovendo desde o início da partida. Todos correndo, menos você, ali, se movimentando para estar pronto. Sob a chuva em um gramado encharcado. A possibilidade de dar algo errado é grande.

Logo aos 6 minutos, a bola é levantada da ponta-esquerda, a defesa corta, a bola é levantada novamente,  o goleiro sai mal do gol, o zagueiro chega primeiro, corta, mas a bola cai no pé de Elano, que com a perna esquerda chuta para o gol vazio. 1 a 0. Desde que ele chegou ao time com Zé Roberto, o ataque passou a ser muito mais eficaz.

Você sorri e comemora até mais do que o gol não ser você o goleiro do lado de lá, responsável pela falha defensiva que resultou em gol.

A primeira finalização em você é bloqueada, mas a segunda, de Forlán, vai no gol, aos 22 minutos. Você o viu disparando quando Leandro Damião fez a assistência da intermediária e dispara em direção a ele, que chega antes na bola, mas quando chuta, acerta o seu peito, que fechava o ângulo de chute do uruguaio.

Mas no minuto seguinte, você não consegue a mesma agilidade. Forlán bateu o escanteio à sua direita, mas a cobrança foi mais longa do que você estava esperando, Leandro Damião sobe sozinho de frente para o ângulo e cabeceia. Por um instante, você não houve nada, há um silêncio absoluto, só existem a bola e a cabeça de Leandro Damião. Você só ouve o "tum!" da cabeçada. A bola passa rente ao travessão.  E, então, um "uhhh!" vindo da arquibancada. Você gosta do que ouve, mais ainda do que vê.

Está chovendo, Leandro Damião cabeceia outra para fora, Kleber bate fraco, em cima de você, uma defesa fácil. Forlán bate mais forte, e você rebate. Damião chuta para fora. Bolívar cabeceia, a defesa corta. Escanteio. Mal batido. Fred tenta de esquerda. Péssimo. Guiñazu recebe de esquerda e bate alta. Longe.

O primeiro tempo acaba, seu time fez 3 finalizações, 2 certas e 1 gol. O adversário fez 10 finalizações, 3 certas e não fez gol em você. Você nem queria que o jogo já tivesse acabado, porque se preparou para os 90 minutos e quer viver cada um daqueles décimos de segundo que decidem a direção da bola.

No vestiário fica decidido que seu time vai se fechar e sair só de vez em quando, mas vai se fechar de forma a não deixar a bola ser mandada ao seu gol. Seu adversário só consegue 4 finalizações: Forlán foi bloqueado, Juan cabeceou para o alto, Fred foi bloqueado e você defendeu um chute fraco de Kleber. E tudo isso (ou só isso) aconteceu até os 18 minutos do segundo tempo.

Continua chovendo e você está ali se mantendo aquecido. Muito molhado, aquilo de dias de chuva. Seu adversário só vai chegar novamente ao seu gol 22 minutos depois, nos quais você só precisou sair do gol para socar 2 vezes a bola. Para sua sorte, você chegou antes do zagueiro.

Aos 41 minutos do segundo tempo, sob chuva, o goleiro que errou o tempo da bola no primeiro tempo e sofreu o gol controla a bola, deixa a área e faz um lançamento perfeito. Ele é canhoto. A bola vai perfeita para Leandro Damião, que manda para o gol. Você não arrisca e defende a bola antes de ela quicar no gramado encharcado. Você já tinha andado aquela área toda...

O jogo está no final. Aos 47 minutos, acontece, enfim, a defesa da sua consagração. Uma defesa impressionante, que para você tem de ser apenas mais uma defesa, todo mundo sabe que foi uma defesa sensacional. Dátolo bate uma falta levantada, Leandro Damião desvia de cabeça e Rafael Moura vem pra cima de você e cabeceia a bola onde você pode defender, mas com uma força que torna a defesa impossível. Mas você espalma a bola. No reflexo. Seus adversários levam as mãos à cabeça (o maior dos elogios possíveis para um goleiro) e seus companheiros pulam em cima de você (o segundo maior dos elogios possíveis para um goleiro).

Mas o bandeirinha dá impedimento e anula o lance. E não estava impedido!

Você fez uma defesa que decidiu o placar de um Gre-Nal aos 47 minutos do segundo tempo, na casa do do Nal, sob chuva, vocês venceram, e o lance foi invalidado. Não vai fazer parte nem das estatísticas. Vai aparecer como um "impedimento errado" de Altemir Hausmann no @FutebolsemChute.

Vida de goleiro é assim... E tem as suas compensações.

Parabéns, Félix Mielli Venerando (24 de dezembro de 1937 - 24 de agosto de 2012). Por suas defesas, pelo título da Copa de 70, no México, e por sua serenidade todos esses anos. Parabéns. E muito obrigado. Porque mesmo quem nasceu depois desse título teve o que comemorar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário